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A Bahia precisa sair desse rame-rame


Em entrevista exclusiva, Mário Kertész fala sobre economia, negócios, família e sobre sua insatisfação com a Bahia


por Pedro Hijo
fotos Rômulo Portela


Mário Kertész, em sua sala de reunião, afirma: “Salvador está em um momento muito baixo-astral”

Está no dicionário de baianês: “rame-rame” significa coisa comum, rotineira, repetitiva. A expressão popular no Nordeste do Brasil, usada por Mário Kertész para definir a insatisfação dele com determinados setores da Bahia, é a cara do comunicador, que costuma sair do pedestal para falar com todos cara a cara. O ato de sintonizar o rádio na 101,3 FM para ouvir suas opiniões virou hábito no dia a dia dos baianos, que já o consideram como um amigo de longa data. Mário nos recebeu em sua sala de trabalho no Grupo Metrópole para um bate-papo de algumas horas em que pôde falar abertamente sobre seu pioneirismo na comunicação baiana, economia, negócios, a ideia dele de montar um fórum de discussão em Salvador e ainda a respeito do que chama de falta de inteligência na Bahia: “Estamos no buraco, mas vamos sair dele”.

[B+] - Como o senhor se define? Prefere ser reconhecido como um homem de negócios, um comunicador ou um homem público?
Mário Kertész - Eu acho que sou um pouco de tudo isso que você falou e um pouco de nada também, porque quando a gente é muita coisa, acaba sendo nada. Eu, na idade que tenho, 69 anos, com a experiência que eu tenho, sinto que a pretensão abaixou muito. Com esta idade, a gente coloca o pé no chão. E sinto muita alegria no que faço. O que me dá muita vida hoje, o que me faz chegar aqui às 6h30 e sair às 20h é o prazer de estar ouvindo as pessoas, de bater papo com os ouvintes. Nas últimas eleições, o que eu fiz foi oferecer a minha experiência de ter sido prefeito por duas vezes para tentar levantar a cidade. Mas eu acho que daqui da rádio eu consigo fazer este papel de ajudar Salvador com as minhas críticas. Porque o papel da imprensa é muito mais de oposição que de situação. Se a imprensa não tem um papel de cobrança, de alerta, de estabelecer limites, tudo fica muito fácil para os governantes. A imprensa tem que questionar mesmo e eu sou uma pessoa muito questionadora. Questiono meus próprios desejos, questiono as pessoas que trabalham comigo, e eu me reconheço assim.


“A imprensa tem que questionar mesmo e eu sou uma pessoa muito questionadora. Questiono meus próprios desejos"

O bate-papo direto com o cidadão a que se referiu é a receita de sucesso da rádio?

Eu acredito que fui pioneiro aqui na Bahia com esse modelo de rádio que inclui a participação popular e que traz o que acontece na cidade em primeiro lugar. O foco da Metrópole é Salvador. A informalidade como a gente se comunica ajuda muito no sucesso, as pessoas se identificam com a rádio. Outro fato importante é a abertura dos microfones para todos os setores. Quando eu comecei, as rádios eram divididas entre esquerda e direita, e eu quis me opor a essa dicotomia e dar espaço para que todos falassem, inclusive para a oposição. No começo isso criou um estrondo, suspenderam toda a publicidade oficial da rádio, mas depois perceberam que impedir essa imparcialidade era uma bobagem, que o ideal é mesmo a isenção.

Mas é fácil conseguir unir esta isenção com interesses comerciais?
É claro que eu não posso pegar um excelente patrocinador da rádio e o deixar ser atacado sem dar a ele uma oportunidade de defesa. Aqui a gente não vende espaço editorial, jamais vou colocar no ar uma matéria encomendada. Porque se você não tem essa postura, você não tem credibilidade, não tem nada.

O que falta para o segmento de comunicação e mídia crescer em nosso estado?
Muita coisa. Primeiro, falta um mercado de comunicação mais próximo da Bahia. O nosso mercado deixou de ser baiano e passou a ser muito de fora, e tem muito uma visão de que o que é de fora é melhor. Por exemplo, no caso do rádio, é muito mais fácil que um mídia de São Paulo queira patrocinar uma rádio CBN ou uma Globo News do que uma Metrópole, e, no entanto, a nossa rádio tem o dobro ou o triplo de audiência que essas outras duas. Ele quer apostar no que é mais fácil para ele. Segundo, nós temos uma economia muito incipiente e o ritmo de anúncios e publicidade varia muito por conta disso.

Mas o que fazer para estimular esse mercado?
Fazendo produtos de qualidade. Porque passa no boca a boca, estimula, gera interesse. As pessoas veem que vale a pena, tem qualidade, gera audiência, que é bem feito e tudo isso atrai anunciantes e movimenta o mercado. E o fator inovação conta muito também, sair do lugar-comum, sabe? Na Metrópole a gente inova sempre, com transmissões de fora do país com máxima qualidade. Já fomos cobrir eventos esportivos no Japão e na África do Sul. A Metrópole foi a primeira da Bahia a transmitir seu sinal pela internet, a terceira no Brasil. E, por conta disso, a gente tem ouvintes no mundo todo.

Você acredita ver um dia a Bahia como uma grande força econômica do Brasil, podendo reter profissionais de alto nível e com avanços no desenvolvimento? Ou não é esse o nosso perfil?
Eu acho que a Bahia é subdesenvolvida se comparada a São Paulo e é por isso que todos acabam saindo daqui. Tenho cinco filhos. Desses cinco, quatro moram fora da Bahia. Sergio é diretor da Odebrecht, Marcelo é sócio do marqueteiro João Santana, Duda é presidente da Johnson e Johnson e Mariana tem uma empresa de direção de arte. Todos moram em São Paulo. Na Bahia, só ficam os jovens que não tem muito estímulo e a culpa é da própria Bahia por não estimular essa juventude, abrindo espaço de trabalho para ela. Um exemplo recente são essas manifestações que ocorreram em todo o Brasil. Em São Paulo as coisas pegaram fogo e aqui na Bahia? Muito murcho. Acho que isso mostra muito o estado que estamos vivendo no momento. Salvador está em um momento muito baixo-astral. Mas é claro que isso deve mudar e pode mudar. As minhas energias de trabalho vão muito neste sentido.


"Quer ter ganhos enormes? Contrate pessoas jovens, as coloque para trabalhar e estimule"
 
Por outro lado, na rádio, vocês parecem ser descobridores e formadores de talentos na comunicação. É isso mesmo? Alguns desses profissionais já foram para outros veículos de mídia pelo Brasil, mas como manter os demais?
Sim, a gente tem muitos exemplos de profissionais que começaram na Metrópole e hoje despontam no grande mercado. Por exemplo, Rita Batista, que hoje está na Band nacional, Louise Calegari na Record e por aí vai. A rádio se transformou numa escola e eu dei preferência aos jovens porque acredito no potencial deles. Eu chegava para um menino desses e falava: “Você vai entrar no ar, não importa se está nervoso ou não tem experiência, vambora”. Quando você inova criando um programa como o Metropolitanas, em que quatro meninas têm essa grande oportunidade de ter uma hora no horário nobre para poder falar o que sentem, é muito estimulante.

A chave para motivar o mercado é aproveitar a vontade de trabalho e a criatividade dos jovens, então?
Claro! Eu me lembro de quando eu estava me formando em administração, em 1966, e fui aprovado em um exame da General Eletric. Eu fui o único selecionado e ia ganhar um salário incrível. Dali um pouco, eu recebi a proposta para ser chefe de gabinete da prefeitura para ganhar muito menos, e eu acabei topando o desafio. Porque dinheiro não é tudo se você olha para uma oportunidade e vê futuro naquilo. Só um jovem topa um desafio desses, só um jovem tem essa vontade de trabalhar. Quer ter ganhos enormes? Contrate pessoas jovens, as coloque para trabalhar e estimule. A juventude tem esse sangue forte, assim como eu tive muitos anos atrás, e precisa ser aproveitada.

É possível os setores público e privado unir forças para alavancar a economia?
Não é fácil. Como o Brasil está vivendo uma efervescência enorme por conta das manifestações, mudanças políticas e proximidade das eleições, a gente não sabe o que pode esperar de tudo isso. Será que Dilma vai conseguir se reeleger? Será que a queda dela vai fazer surgir uma nova liderança? Para que lado nós vamos? E eu acho que é pouco provável que Jaques Wagner, governador do nosso estado, se preocupe com isso logo no fim do governo dele, que ele vá conseguir fazer essa união de empresas públicas e privadas. Acho que isso depende muito de uma liderança mais forte e hoje nós não temos isso. Antigamente, a gente tinha uma participação mais forte dessas instituições e eu não sei por que isso se perdeu.

Mário em reunião com sua equipe de jovens talentos

Falta discussão? 
Exatamente! Eu tenho um projeto de criar um local onde a gente possa trazer pessoas de diversos setores frente a frente para bater um papo sobre diversos assuntos. Conversar sobre economia, filosofia, discutir sobre cinema. Chegar para as pessoas e perguntar: “Você se interessa pelo quê? Então, venha cá, senta aqui e vamos conversar sobre isso”. Vamos discutir, vamos ajudar a colocar inteligência nesse estado! A gente está precisando de agitação, de inteligência! A Bahia precisa sair desse rame-rame. Na época da minha adolescência, eu ia assistir aos melhores concertos do mundo no Instituto Normal, que nem ar condicionado tinha. E lotava! Hoje você vê que grandes shows internacionais passam por quase todos os estados do Nordeste e não vêm mais para cá.

Mas o senhor é otimista com o futuro da Bahia?
Eu sou. Acho que temos condições excepcionais. O estado todo, a cidade toda sob todos os aspectos. A gente precisa é sair desse buraco em que a gente se encontra e vamos sair.

Qual o legado o senhor quer deixar para a Bahia como exemplo de empresário?
Quero ser lembrado por ter criado um modelo de rádio que serviu de inspiração para tantas outras emissoras; por, com a rádio, ter ajudado no processo de democratização política do estado e do país; por ter aberto um espaço para os jovens talentos. Acho que o que mais me dá orgulho é ter colocado a informalidade na rádio baiana, modelo que é seguido por tantas outras hoje em dia. Aqui não tem roteiro, é um bate-bola com a equipe. Com o Abraão Brito, por exemplo, as coisas funcionam de uma forma muito natural, eu falo, ele rebate de forma inteligente e assim a gente constrói o programa. Às vezes eu entro no programa morto de cansado e saio que nem uma criança. Eu me divirto muito estando atrás do microfone, 
eu acho que esse que é o grande barato.

FONTE: REVISTA B+

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